A Cozinha Perdeu a Alma?
- Editorial Revista Bonapetit

- 17 de out.
- 2 min de leitura
Por um chef que ainda acredita no fogo, no tempo e na verdade dos sabores.

Durante décadas, a cozinha foi o refúgio dos inquietos. Um lugar onde o fogo ardia não apenas nos fogões, mas dentro de quem cozinhava. Ali, cada prato era uma declaração — de amor, de raiva, de identidade. Cozinhar era uma forma de se expressar, de contar histórias com aromas e texturas. Mas, aos poucos, algo foi se perdendo. E a pergunta que ecoa nos bastidores é inquietante: a cozinha perdeu a alma?
Vivemos uma era em que o “instagramável” vale mais que o sabor. O clique substituiu a colher. O prato bonito, mas vazio de sentido, ocupa o lugar do que carrega verdade e memória.A gastronomia virou palco, e muitos cozinheiros, reféns do espetáculo.
Vejo jovens cheios de técnica — e carentes de essência. Sabem o ponto exato da carne sous-vide, mas nunca sentiram o peso simbólico de um arroz queimando no fundo da panela.Dominam o nitrogenado, mas não compreendem o valor de um caldo feito com ossos torrados e paciência.A cozinha virou ciência, mas esqueceu da poesia.
Não me entenda mal: a inovação é necessária. A técnica é o esqueleto da arte. Mas o que sustenta a gastronomia não são os equipamentos, e sim a emoção que atravessa o prato até o coração de quem come. Quando o cozinheiro perde essa conexão, o prato perde o propósito.
A cozinha é feita de história — e histórias não se contam com pressa.É feita de pessoas — e pessoas não se alimentam apenas de calorias, mas de afetos.O prato que emociona não nasce da vaidade, mas da entrega.
Hoje, ao observar a gastronomia sendo moldada por algoritmos, patrocínios e likes, me pergunto:Estamos cozinhando para alimentar pessoas — ou para alimentar o próprio ego?
A resposta talvez esteja no retorno às origens. Voltar a provar com os sentidos, respeitar o ingrediente, o produtor, o tempo e a memória.Voltar a entender que cada receita é um gesto de cuidado, e que servir continua sendo um ato de amor — não de performance.
Porque enquanto houver um cozinheiro que respeite o fogo, o silêncio e o sabor,a alma da cozinha ainda viverá — mesmo que em brasas.
Editorial Revista Bonapetit - Outubro 2025 - www.revistabonapetit.com.br

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