Chef ou Celebridade? – Quando o Ego Vira o Ingrediente Principal da Cozinha
- Editorial Revista Bonapetit
- 29 de out.
- 3 min de leitura

O palco agora é a cozinha
Há poucos anos, o chef era visto como o guardião dos sabores, o alquimista dos temperos e o líder de uma brigada em ritmo militar. Hoje, ele é também influenciador, estrategista digital e, em muitos casos, uma marca ambulante.
As redes sociais transformaram o ofício em espetáculo. Cozinhar, antes um ato quase silencioso, virou performance. Cada empratamento precisa ser “instagramável”. Cada refeição, uma história. Cada cozinha, um cenário.
Mas por trás das luzes, há uma inquietação crescendo entre os bastidores do setor gastronômico: a vaidade está engolindo a essência da gastronomia?
Entre o toque do chef e o filtro do celular
“Vejo muitos jovens que sabem montar um vídeo, mas não sabem montar um molho”, desabafa o chef Carlos Mendez, veterano com três décadas de cozinha francesa e latina. “O problema não é usar as redes, é viver para elas. Quando o ego vira tempero principal, o sabor da verdade se perde.”
Em contrapartida, a chef Lívia Costa, conhecida por seu trabalho autoral e mais de 300 mil seguidores, defende a exposição:
“A gastronomia sempre foi sobre emoção e conexão. Se as redes me permitem contar minha história e inspirar outras mulheres a cozinhar, por que não? A comunicação também é uma forma de servir.”
Esse é o embate central: comunicar ou performar? Entre a necessidade de visibilidade e o risco da superficialidade, muitos profissionais se veem divididos entre dois mundos — o da cozinha real e o da cozinha digital.
Dentro das cozinhas profissionais, a pressão é crescente. Donos de restaurantes exigem engajamento. Produtores pedem “conteúdo com emoção”. E o público, acostumado ao glamour televisivo, espera experiências dignas de reality show.
O crítico gastronômico Rafael Duarte aponta:
“Hoje, muitos chefs estão reféns da própria imagem. Alguns têm mais cuidado com a luz da foto do que com o ponto do peixe. É a estetização da gastronomia — bela aos olhos, rasa ao paladar.”
Outros, porém, afirmam que esse é apenas o reflexo de um mercado em transformação.
“Antes o cozinheiro ficava escondido atrás do passe. Agora ele fala, aparece e inspira. Isso é revolução, não decadência”, defende o restaurateur Fábio Lemos, dono de uma rede de bistrôs em São Paulo.
O dilema da nova geração
Nas escolas de gastronomia, os alunos chegam cheios de referências de TikTok, mas poucos conhecem clássicos como Escoffier ou Bocuse.A professora e chef Helena Prado, do Instituto Gastronômico do Brasil, alerta:
“A geração digital é criativa, mas impaciente. Quer resultados rápidos, aplausos imediatos. Só que cozinha é tempo, erro, repetição. Não há filtro que ensine ponto de calda ou textura de massa.”
A nova geração precisa equilibrar carisma com competência, luz com técnica, vaidade com vocação.
Entre o holofote e o fogão
A verdade é que a fama pode ser um ingrediente perigoso. Quando o chef vira celebridade, corre o risco de esquecer o ofício.De cozinheiro, passa a ser gestor de imagem.De criador, vira produto.
O público, por sua vez, também muda: passa a “consumir o chef”, e não mais a comida.
No entanto, o futuro da gastronomia pode estar justamente na fusão desses dois mundos — onde a visibilidade serve à autenticidade, e não o contrário.Onde a câmera é apenas uma ferramenta, e o prato continua sendo a mensagem principal.
Conclusão Editorial – Um brinde à essência
A gastronomia nasceu do fogo e da alma. Do gesto humano de transformar algo simples em algo memorável. Quando a fama entra em cena, o risco é o fogo se apagar e sobrar apenas o palco.
A pergunta que ecoa entre cozinhas, escolas e bastidores é simples, mas urgente:
Estamos cozinhando para servir… ou apenas para aparecer?
O verdadeiro chef não precisa de aplausos — precisa de propósito.E enquanto houver quem cozinhe com verdade, haverá esperança de que o sabor nunca se torne apenas mais um filtro digital.
Editorial Revista Bonapetit - @revistabonapetit Outubro 2025

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