A Crise de Mão de Obra na Gastronomia: Desafios, Causas e Caminhos Possíveis
- Paulo Vanzillotta

- 12 de nov.
- 4 min de leitura

O setor de alimentação e bebidas, um dos mais dinâmicos da economia brasileira, enfrenta uma crise silenciosa que ameaça sua capacidade de crescer de forma sustentável: a escassez de mão de obra qualificada e motivada. Restaurantes, bares e dark kitchens convivem com alta rotatividade, dificuldade de retenção e uma notável redução no interesse de jovens profissionais pela carreira gastronômica.
Essa carência, embora aparente ser um fenômeno isolado, está intimamente ligada a um cenário econômico mais amplo, marcado pela precarização do trabalho, pela inflação persistente e pela busca por qualidade de vida, valores que, para muitos, já não parecem compatíveis com o ritmo intenso das cozinhas profissionais.
Um cenário econômico em transformação
Após o impacto da pandemia, o setor de serviços voltou a crescer, impulsionado por mudanças no comportamento do consumidor, pela digitalização e pelo avanço dos modelos de delivery e dark kitchen. Contudo, esse crescimento ocorreu sem que houvesse uma revalorização proporcional dos trabalhadores.
Enquanto os custos de insumos e energia aumentaram, as margens de lucro continuaram estreitas. Muitos empreendimentos optaram por enxugar equipes e sobrecarregar os profissionais que permaneceram. O resultado é um ambiente de trabalho exigente, com jornadas longas, poucos benefícios e remunerações que muitas vezes não acompanham o custo de vida nas grandes cidades.
Para os jovens, esse cenário torna-se pouco atrativo — sobretudo em um momento em que o discurso sobre equilíbrio entre vida pessoal e profissional ganha força, e novas profissões digitais oferecem alternativas com menos desgaste físico e maior flexibilidade.
As causas estruturais da crise
A falta de mão de obra no setor gastronômico não é apenas reflexo dos baixos salários. Há fatores mais profundos em jogo:
Formação profissional insuficiente – As escolas técnicas e cursos profissionalizantes ainda não acompanham a evolução das demandas do mercado, deixando lacunas em áreas como gestão de processos, tecnologia e atendimento.
Baixa valorização social das funções operacionais – Auxiliares, cozinheiros e atendentes são, muitas vezes, vistos como posições temporárias, e não como carreiras possíveis.
Exigência física e emocional elevada – O trabalho em cozinha é árduo, envolve pressão constante, calor, prazos e uma hierarquia rígida. Nem todos estão dispostos a lidar com esse nível de exigência.
Falta de perspectiva de crescimento – Muitos profissionais não enxergam planos de carreira claros ou incentivos para permanecer e evoluir no segmento.
Caminhos possíveis e soluções viáveis
Reverter esse quadro exige uma abordagem conjunta entre empresários, gestores e instituições de ensino. Algumas medidas podem gerar impacto real no médio prazo:
Requalificação e formação continuada: incentivar parcerias com escolas técnicas e plataformas de ensino online para capacitar profissionais em temas como gestão, segurança alimentar e atendimento digital.
Ambientes mais saudáveis e humanizados: promover jornadas equilibradas, pausas adequadas e reconhecimento das conquistas diárias. Uma cozinha bem gerida é também uma cozinha que respeita o ser humano.
Planos de carreira estruturados: mostrar que é possível crescer na gastronomia — de auxiliar a cozinheiro sênior, de atendente a gerente, aumenta o senso de pertencimento.
Uso inteligente da tecnologia: softwares de gestão, automação de pedidos e processos simplificados podem reduzir a sobrecarga física e mental da equipe.
Melhoria gradual na remuneração e benefícios: ainda que o setor tenha margens apertadas, é possível adotar programas de incentivo por desempenho e reconhecimento não financeiro, como prêmios, capacitações e flexibilidade.
O desafio de atrair e inspirar os jovens
Convencer as novas gerações a ingressar ,e permanecer, na gastronomia requer mais do que oferecer um emprego: é preciso oferecer um propósito.
Os jovens de hoje buscam ambientes onde possam aprender, ser ouvidos e ver o impacto real do próprio trabalho. Mostrar que a gastronomia é uma profissão de criação, disciplina e transformação é um caminho para resgatar seu valor cultural e humano.
É também papel dos líderes do setor (chefs, gestores e empreendedores) inspirar pelo exemplo: demonstrar que é possível prosperar com ética, equilíbrio e paixão. Quando a cozinha é vista não como um fardo, mas como um espaço de aprendizado e orgulho, ela volta a atrair talentos.
Conclusão
A crise de mão de obra na gastronomia não se resolve apenas com vagas abertas — exige visão, diálogo e mudança de mentalidade. É hora de reconstruir o valor simbólico e econômico de quem faz a comida chegar à mesa, seja em um restaurante, seja em uma dark kitchen.
Cuidar das pessoas é o primeiro passo para cuidar do negócio. E talvez, mais do que uma questão de gestão, este seja o verdadeiro ingrediente que falta para o futuro da gastronomia brasileira.
Sobre o colunista:
Paulo Vanzillotta é gestor de restaurantes e especialista em operações gastronômicas, com ampla experiência em cozinhas profissionais e modelos de negócio voltados ao delivery, como dark kitchens. Atuou em marcas como Empório Jardim, Olga Ri, Hi Pokee, Liv Up e Vezpa Pizzas, além de gerenciar operações de restaurantes à la carte e cafeterias.
Formado em Direito, MBA em Gestão de Bares e Restaurantes, com pós-graduação em Psicologia Organizacional, Inovação e Empreendedorismo e Design Thinking e Gestão de Pessoas, Paulo também se dedica à formação e ao desenvolvimento de equipes, com foco em liderança humanizada, eficiência operacional e sustentabilidade.
Atualmente, concilia sua vivência no setor de alimentação com estudos em Processos Gerenciais e Inteligência Artificial aplicada à gastronomia, escrevendo sobre gestão, comportamento organizacional e os novos desafios da gastronomia contemporânea.
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